ACAMPANDO NO APARTAMENTO …………………………………………………………………………

Marcela Roberta, finalmente, recebeu as chaves. O apartamento era pequeno. Mas era dela. Só dela. Só, única e exclusivamente dela, Marcela Roberta. Não era dela e do pai. Dela e da mãe. Dela e do irmão. Dela e do cachorro. Muito menos dela e daquele molenga do seu namorado. O apartamento pertencia a Marcela Roberta. Proprietária: Marcela Roberta. Soava como música: Marcela Roberta proprietária … Marcela Roberta proprietária…

 

Mas que sofrimento. Que sofrimento para juntar o dinheiro da entrada, despesas de cartório, e etc. Economizou durante dois anos. Roupas de grife? Nem pensar! Restaurante? Só de quilo, e bem barato, ou vai mesmo é de hambúrguer. Livros? Só no sebo do Robertinho, que ainda dava desconto pois era apaixonado pela xará. Refinanciou o carro já quitado. Vendeu a restituição do imposto de renda, passou nos cobres as coleções de selos e moedas, herdadas do avô… Mas conseguiu. Era dona do apartamento. Sabia que a construtora o entregava sem acabamento: pisos, pintura e azulejos ficariam para mais tarde
Mas Marcela Roberta queria estrear o apartamento. Queria passar uma noite lá e, pricipalmente, sozinha. Não queria dividir esse prazer com ninguém. Seria mesmo um prazer solitário. E teve a idéia genial:
-Vou acampar no meu ninho… eu, vinho branco, muito morango, creme de leite, as estrelas do céu… e mais ninguém…
Iria acampar no fim-de-semana.
Passou terça.
Passou quarta.
Na quinta-feira não agüentou e pensou:
Não dá mais. Vou pra lá hoje mesmo. Levo colchonete, toalha, muda de roupa. Amanhã as 8:30 tem aquela reunião importante com a presidência. Mas o ninho fica perto da empresa… vou até andando…
De noite, quando chegou foi obrigada a deixar o carro na rua, mais longe. A garagem ainda estava em obras.
O porteiro foi prestativo ao extremo em ajudar aquela loira a subir com toda aquela tralha. Só estranhou tanto vinho branco e morango.
Marcela Roberta bebia o vinho e andava pelo apartamento. Totalmente vazio, ela sabia. Mas pensava:
-Tá faltando alguma coisa…
Bebeu mais duas, três taças. E já meia de pileque pensava:
-Pô… tá faltando alguma coisa…
Foi um porre de vinho com morango. E até no sono ela sonhou:
-…não é possível… tá faltando alguma coisa…
Acordou às 7:30. Atrasada e com dor de cabeça… os morangos. Levantou do colchonete, pegou a toalha, correu para o banheiro… não tinha chuveiro, só um cano despejando água, e fria. Tudo bem. Lavou a cabeça, esfregou o rosto, se enxugou. Foi quando deu o estalo:
-O espelho… tá faltando o espelho… cadê o espelho… o bendito espelho… o armário do quarto deve ter um…
Mas no quarto não havia armário.
-Não pode ser… sem armário… o quarto está mais vazio que a cabeça do meu chefe. Já sei… a área de serviço!
Correu para lá e nada.
Caiu em si. Tragédia. Estava num apartamento sem espelho.
Quase chorou. Como faria a maquiagem? Não podia sair de casa de cara limpa. Nunca saira. Nunca saira sem maquiagem. A humanidade não conhecia Marcela Roberta sem maquiagem. Nem sua própria mãe conhecia Marcela Roberta sem maquiagem. Não podia chegar à reunião do jeito que estava. Por certo não seria reconhecida. Foi quando deu o estalo:
-Já sei! O espelho do elevador !
Foi pra lá, mas não deu sorte. No corredor deu de cara com o prestativo porteiro que ao vê-la, assustada, perguntou:
-A senhora quer que eu chame uma ambulância?
Ela pensou:
-Canalha. Ontem à noite quase me engoliu; hoje não me reconhece… já sei… o celular… vou tirar uma foto minha…
Quase chorou. Ou melhor, chorou; o rosto borrado da maquiagem, o batom pintando o queixo, o rímel chorando nas bochechas… O pileque cobrava seu preço.
Olhou o relógio. Oito em ponto. Não podia perder a reunião. Era a principal expositora e seu futuro na empresa estava em jogo.
No desespero, que opera milagres, lembrou. Perto do prédio vira uma loja de R$ 1,99. Por certo encontraria lá um espelho, mesmo pequeno, mesmo chinês, mesmo salvador.
Pegou o celular, entrou na Internet, achou a rua e… bingo! Conseguiu o número do telefone e ligou:
-Eu estou precisando de um espelho, vocês têm?
Do outro lado da linha um rapaz de voz fanhosa atendia:
-Espelho… espelho… ah! Tem aquele de 20 X 15 com a madeirinha alaranjada em volta… custa R$ 5,99.
-Tá bom, tá ótimo; entrega um pra mim… urgente, o endereço…
-Nós não fazemos entrega. Tem que comprar aqui mesmo… e eu estou sozinho, o patrão saiu…
Marcela Roberta estava, agora, quase berrando.
-Estou aqui perto, traz um espelho que eu te dou  R$ 50,00…
-Posso não, madame. Se eu sair e fechar a loja o patrão desconta meu dia, desconta meu fim de semana, minha cesta básica, férias proporcionais, eu vou perder uma grana…
-Tá bom, eu pago R$ 150,00…
-Sei não, madame. O meu Ibope com o patrão vai cair. Sabe como é, aquele valor do imponderável, aquela confiança que o patrão tem em mim, a fidúcia madame…
Chantagista, canalha. Mas ela daria seu reino por um espelho.
-Pago R$ 200,00!
-Hum… R$ 250,00 fechamos…
-Feito. Mas quero o espelho em cinco minutos.
Deu o endereço.
(…)
Fez a maquiagem em dez minutos. Novamente olhou o relógio. Quase 8:20.
Caminhando rápido chegaria pontualmente às 8:30.
Estava para entrar no elevador quando o celular tocou. Era Eduarda, sua parceira na exposição da reunião.
-Menina, você não vai acreditar. O presidente sofreu um acidente e  quebrou os dois braços… a diretoria em peso foi pro hospital paparicar o homem… a reunião foi adiada…
Desligou o celular ainda enquanto sua amiga falava.
-Aquele fanhoso chantagista vai devolver meu dinheiro… ah! se vai… um espelhinho não vale mais que R$ 5,99… ainda mais com madeirinha alaranjada em volta… canalha… fanhoso canalha…chantagista…quero meu dinheiro de volta…

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