A VIDENTE …………………………………………………………………………

Nastácia, moça bonita, morena, já com seus dezoito anos, tinha dois problemas. Primeiro: estava apaixonada; segundo: não sabia se era correspondida, eis que nunca conversara com o rapaz.

Não sabendo resolver o primeiro problema, foi tentar o segundo com uma sua tia encalhada. Pensava Nastácia que tia encalhada era questão de amor não correspondido.
A tia, encalhada e solícita, escutou tudo. Nastácia explicou a situação, mas sem dar nome ao boi. Dizia que ainda era segredo. Entre ela e o seu travesseiro. A tia, encalhada e solícita, teve uma daquelas idéias que só as tias encalhadas e solícitas têm. Iriam procurar uma daquelas senhoras que lêm mãos e desvelam o futuro, principalmente o amoroso. A tia conhecia uma que era um amor de pessoa, honesta a  mais não poder, com poderes quase sobre-humanos, com experiência nas coisas do amor, humilde, generosa como uma religiosa, bondosa como as velhinhas, caridosa, discreta feito janela fechada, que gostava de gatos,  cachorros e patos, que nunca ousava perguntar mais que o necessário. Quase uma santa… Ah, sim! E que cobrava R$200,00 a consulta de uma hora, sem  nota fiscal ou recibo.
E lá foram  as duas para a casa onde a vidente “atendia”. Depois de aguardarem meia hora num cômodo mal iluminado, entra a vidente e já vai dizendo, olhando para a mais nova, Nastácia:
– Mas é claro que existe um moço moreno em sua vida!
Pronto! Nastácia foi ao sétimo céu!
(Nossa! Como ela sabe que ele é moreno!, pensou Nastácia)
A vidente, segurando a mão de Nastácia, começa a falar.
– Ele não é tão bonito, mas é muito simpático!
(Nossa! Como ela sabe que ele é simpático!, pensou Nastácia)
– E tem um sorriso lindo! Aquele sorrizão, com todos aqueles dentes brancos, sorriso que derrete seu coração…
(Nossa! Essa mulher o  conhece !)
– E quando ele fala bom-dia, ou mesmo boa-tarde, ou ainda boa-noite, você fica toda feliz, heim, menina!
(Nossa! Eu vou desmaiar…)
– E te cumprimenta com aquela voz que você conhece de ouvir até de longe, voz que você escuta todas as noites antes de dormir, voz que está nos seus sonhos, sonhos dormidos e acordados. Que voz que aquele moreno simpático tem!
(Nossa! Essa mulher é de outro planeta!)
– E aqueles olhos, que aliás são dois, um de cada lado, olhos  românticos, cheios de ternura, olhos que olham para você quando os dois conversam, ah! que olhos!
(Nossa! Essa mulher já viu a foto dele!)
– E aquelas mãos! Que mãos ele tem! E são duas. Uma direita e outra esquerda! Que mãos fortes! E bonitas…
(Nossa! Ela vê até as mãos! Que mulher excepcional!)
– Aí! Que lábios! Você está é de olho naqueles lábios! (Nastácia enrubesceu e sorriu envergonhada). Mas pudera! Que lábios!
(Nossa! Até isso ela sabe!)
– E as sobrancelhas! Isto mesmo! Você pode não ter notado muito. Mas que sobrancelhas bem feitas, e bem alinhadas, que aliás são duas, uma de cada lado!
(Nossa! Vou reparar melhor nas sobrancelhas!)
– E que personalidade ele tem! Não é nenhum maria vai com as outras. Quando ele fala sim, é sim; quando ele fala não, é não; quando ele fala talvez, é talvez; quando ele fala pois é, é pois é; rapaz de personalidade tá naquele moreno!
(Nossa! Essa mulher só pode ser parente dele!)
– E como ele é elegante! Rapaz elegante está lá. Aquelas camisas ou mesmo camisetas, e  as calças jeans ou sociais, sempre combinando com as meias e sapatos, ou ainda com os tênis, e até com os chinelos, e às vezes mesmo quando ele anda descalço. E no inverno! Como ele fica elegante com aqueles casacos de inverno. Parece que eu estou até vendo! Que baita moreno elegante!
(Nossa! Eu vou chorar!)
– E o bom gosto dele! Naquelas músicas que ele ouve, e ouve com os dois ouvidos. Aquelas músicas cheias de sons. Músicas que aqueles homens ou mesmo mulheres cantam no rádio, na televisão, e que ele escuta no carro…
– Mas ele não tem carro!
– Escuta no carro daquele amigo que ele tem!
– É verdade! É verdade! O amigo dele tem carro…
– E ele escuta aquelas músicas e fica pensando, pensando…
(Nossa! Ele fica pensando em mim! É em mim que ele pensa!)
– Ele fica pensando numa moça. É, ele pensa muito numa moça!
Ele pensa o  dia inteirinho numa determinada moça. Ele pensa de manhã, de tarde, de noite, de madrugada, acordado, dormindo, sonhando, trabalhando, almoçando, jantando, palitando o dente, cutucando o ouvido, bocejando… ela fica pensando naquela moça. A moça que ele quer para ser mãe dos seus filhos. Aquela moça meiga que cuidará docemente das crianças. Aquela moça que será sua companheira fiel de todas as horas, moça desprendida que só quer o amor daquele moreno, que será sua cara-metade, aquela que compartilhará suas alegrias para toda a vida, aquela moça meiga, terna, bondosa, generosa… aquela moça morena… sim… eu vejo que a moça é morena…
(Nossa! Sou eu! Só pode ser eu! Eu sou tudo isso! Só eu me encaixo em tudo isso!)
– Mas eu vejo que aquele moço moreno, simpático, com sorriso lindo…
Fez uma pausa cinematográfica.
-… tem um problema. Talvez seja um problema de ordem pessoal, ou ainda de ordem financeira, ou mesmo de ordem familiar, quem sabe de ordem profissional. Talvez de ordem fiscal, ou gramatical, ou pensando bem, de ordem sentimental…
– Sim! Sim! De ordem sentimental… só pode ser…
– Sim! Agora eu vejo! É de ordem sentimental!
(Nossa! Ela descobriu!)
– Sim É um problema sentimental…estou vendo duas pessoas… duas pessoas… vejo um rapaz moreno… e vejo uma moça… sim, é um problema sentimental, e é entre um homem e uma mulher…
– Sim! É isso mesmo…é a namorada dele… aquela sirigaita…
– Agora eu vejo! Estou vendo! Tudo está claro! É um problema entre o moreno e uma moça… uma moça bem ordinária…
(Nossa! Ela sabe de tudo!)
– …uma moça bem safadinha e que gosta dele! Mas ele quer se livrar dela para ficar com a futura mamãe dos seu filhinhos…
(Nossa! Só pode ser eu!)
-… estou vendo. O rapaz moreno se livra da sirigaita e se casa… ele se casa… com uma mulher. É isto! Ele se casa com uma mulher! E ele tem filhos com a mulher.
(Nossa! Então eu vou casar com ele!)
– Ele se casa e tem filhos. Ele tem um filho. Ou não! Tem uma filha… não sei, mas é um dos dois.
(Nossa! Eu vou casar e ter filhinhos! Essa mulher vê o futuro!)
– Eu vejo que este rapaz moreno trabalha. E ele ganha para trabalhar. É isto! Ele ganha para trabalhar!. Eu vejo que o rapaz moreno está viajando. Ele está fazendo uma viagem com a moça. Nos próximos vinte anos o rapaz vai fazer uma viagem! Uma viagem para… para… para algum lugar!
(Nossa! Vou convidá-la para ser minha madrinha de casamento.)
Nisso a porta se abre e entra o rapaz moreno, o bem-amado de Nastácia. Ela quase desmaia e pensa:
(Nossa! Além de ver o futuro essa mulher trouxe o meu amor. Que serviço completo!)
O rapaz recém chegado, o bem-amado de Nastácia, pede desculpas pela interrupção, e diz para a vidente:
– Mamãe, alguém ligou para mim?
– Sim, filhote. A Gabi ligou. Ela quer ir comprar as alianças de noivado hoje à tarde. Liga pra ela.
O bem-amado de Nastácia sai do ambiente e a vidente-mãe explica:
– É meu filho. Até que enfim ele resolveu casar com a Gabriela. Tinha muita sirigaita atrás dele…

* *  *
Dizem que Nastácia virou titia encalhada. Dizem que nunca mais consultou videntes. A quase-sogra-vidente continua lá, “atendendo”.

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