Na reta as motos Harley-Davidson despejavam potência no asfalto, quase atropelando um calango distraído. Antes das curvas, as Harley, brecando, despejavam borracha também no asfalto.
Os doze batedores, com suas sirenes ligadas, impunham respeito e admiração aos transeuntes. Os carros dos seguranças, um à frente outro atrás da limusine, também com sirenes ligadas impunham mais respeito ainda. Ah! sim! Todos os carros eram pretos. E limpinhos. E novinhos em folha. Afinal, importante que é importante não anda de carro “velho”.
E o fluxo do trânsito era parado e desviado, pois o cortejo d’O Importante não podia parar e perder tempo.
Nas ruas a admiração estava estampada nos rostos, principalmente dos inocentes:
-Paiê! Olha só a moto! A moto, paiê! Olha só o pneu da moto! Paiê! Um só pneu desses dá três daquela sua moto furreca! Ó, paiê! compra uma dessas pra gente circular! Compra! Compra, paiê!
-Papai não tem dinheiro pra esse tipo de coisa, filhote. Precisa cuidar da família, de você, da sua irmã…
-Pô, paiê! O senhor trabalha feito camelo pra quê, então? Não dá nem pra comprar uma moto bacana…
Mais adiante, depois da curva, outra conversa entre dois jovens:
-Cara! Olha só a limusine! Olha só o carrão dos seguranças! Assim que eu me formar e sair da faculdade vou comprar um desses…
-Oh! se vai! Vai sim! Vai comprar um carrão desses depois de cem anos trabalhando…
Dentro da limusine, alheio a tudo, o Importante conversava com o assessor:
-Tá chovendo aí fora, heim?
-Não está, não senhor. O tempo está ótimo e o vôo partira sem atraso.
-Quanto tempo demora até o aeroporto?
-Aproximadamente, uma hora, senhor.
Após pequena pausa, o Importante colocou a mão no bolso do paletó, e buscou, e buscou, e não achou. Buscou no bolso externo do outro lado. Também não achou. Procurou ainda nos bolsos internos. Nada. Refez o mesmo percurso, desta vez apalpando cuidadosamente todos os bolsos. O Importante começou a se agitar ante o olhar quase assustado do assessor. Foi então que o Importante berrou:
-Cadê minha bala de aniz? Onde tá minha bala de aniz? Eu quero minha bala de aniz! Pô! Cadê a bala? Onde vocês colocaram minhas balinhas?
A Importante, que viajava ao lado do marido, arregalou os olhos, manhosamente, sabendo que tal desgraça não poderia estar acontecendo. Faltar balinha de aniz era caso pra rolar cabeça, e cabeça das importantes.
O assessor, que era assessor, mas era novo na assessoria, não sabia que tal desgraça não poderia acontecer. Procurou desesperadamente uma bala, cutucou seus bolsos, e achou, uma de hortelã, a clássica, e singelamente ofereceu-a ao Importante:
-Senhor, tenho aqui uma de hortelã…
-Tu pega essa bala…
A importante pigarreou e o Importante cortou a resposta.
Novo silêncio.
-Eu quero bala de aniz! Eu mereço balinha de aniz! Cadê minha bala de aniz?
-Senhor, assim que chegarmos ao aeroporto eu vou pessoalmente providenciar…
-Eu quero é agora, pô! Eu quero minha balinha de aniz a-go-ra! Entendeu? A-go-ra!
O assessor teve então uma idéia brilhante, brilhante como só os assessores as tem. Entre batedores, seguranças e assessores o cortejo teria, no mínimo, umas trinta pessoas. Ora, algum desses com certeza (!) teria uma bala de aniz. Coisa tão simplesinha. Uma balinha de aniz. O Importante ficaria tranqüilo com uma balinha de aniz. A tranqüilidade e a ordem voltariam a reinar na limusine bastando só, e tão só, uma única balinha de aniz. Pegou o rádio e ligou para o chefe da segurança:
-Assessor falando… assessor falando… temos um problema grave… precisamos de balas de aniz…. repito… balas de aniz… câmbio!
-(…)!
-Assessor falando… assessor falando…
-Pô! Eu escutei! Não sou surdo! Repete que eu não entendi!
-Estou precisando de balas de aniz!
-Pô! A importante tá com desejos, é?
-Nada disso. É o homem que tá querendo!
-Entendido! Câmbio! Vou mandar um batedor providenciar. E agora mesmo!
Passados cinco minutos um batedor emparelha na limusine. O assessor abre a janela e recebe, com um largo sorriso na cara redonda, um pacote. Um pacote
pesado. Mais de quilo. Resolvera o importante problema do Importante. Seu prestígio subiria.
Estavam agora entrando numa zona rural, com árvores beirando a estrada. As sirenes continuavam gemendo. As poderosas Harley nem sentiam a velocidade. E dá-lhe sirene aberta! Com o barulho os macaquinhos da floresta começaram a macaquear, olhando o tal cortejo. Na cara deles não se vislumbrava nem respeito, nem admiração. Um casal de marrecos, à beira da estrada, parece que ficou assustado. Parece. Não se tem certeza. Um pardal que tirava uma soneca, acordou com o barulho e caiu do ninho, mas se refez antes de bater no chão.
O assessor, sem se dar conta dos incidentes da bicharada, pegou o pacote recém entregue e passou-o, quase reverencialmente, ao Importante.
Os olhinhos miúdos do Importante brilhavam. Lembrou-se da época sem condições de ter as balinhas. Mas agora, que estava por cima da carne sêca, podia tê-las a qualquer momento. Com um sorriso pegou o pacote e, vagarosamente, abriu-o.
A Importante olhava quase maternalmente para o Importante.
Abriu o pacote, que na verdade era um saquinho marrom, desses de pãozinho de padaria.
Abriu o pacote e ficou olhando. Por um longo tempo, olhando. Os olhos ficaram até marejados. E a Importante feliz com a felicidade do Importante. O Importante fungou. Fungou uma. Fungou duas. Fungou três vezes. Foi quando novamente berrou, e berrou com todas as letras:
-Cretinos! Seus cretinos! Seus burros cretinos! Idiotas cretinos! Vocês não servem para nada! Seus imbecis! Eu não quero bala de aniz de chupar. Eu quero bala de aniz de mastigar. Eu quero bala jujuba de aniz! Entenderam?! Eu quero balinha jujuba!
Silêncio.
-Eu quero jujuba de aniz! Eu quero balinha jujuba de aniz!
Silêncio.
-Ju-ju-ba!
Silêncio.
-Eu quero balinha jujuba de aniz! Eu quero! Quero! E quero!
Silêncio.
Quando o Importante estava a ponto de chorar, a Importante afaga maternalmente seu rosto. Olha ternamente para aquele que tanto amava. E não suportando o profundo sofrimento daquele que já lhe dera tantas alegrias confessa:
-Está bem! Está bem, meu neném. As balinhas jujuba de aniz estão aqui com mamãe. Mas neném tem que prometer uma coisa…
Disse isso tirando da bolsa importada um pacotinho de balas jujuba de aniz, mostrando ao Importante, que agora já babava…
-Prometo qualquer coisa… faço qualquer coisa.. me dá a jujubinha…
A importante segurou no ar, balançando safadamente, o precioso pacotinho. Fez um suspense cinematográfico e finalmente disparou:
-Você promete que à noite, antes de dormirmos, você não vai mais brincar com aquele seu trenzinho elétrico barulhento?
-Prometo… prometo…agora a jujubinha… a jujubinha…
E o cortejo continuava. Em breve o Importante embarcaria no avião, rumo àquele importante compromisso.
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