O mundo, o ser humano e principalmente o brasileiro, infelizmente é um dos povos mais preconceituosos. É contraditório afirmar que o brasileiro é preconceituoso quando somos vistos pelos estrangeiros como um dos povos mais alegres, receptivos e hospitaleiros. Mas é preciso esclarecer que alegria não é sinônimo de pessoas não preconceituosas e que o sorriso que estampamos nos rostos também não é uma analogia a uma vida mais feliz e sem problemas. O povo brasileiro tem essa alegria contagiante talvez em virtude do clima, ou mesmo para camuflar e transformar o dia a dia mais leve e fácil de se levar. Isso de fato é uma virtude que nós brasileiros temos. Somos capazes de rir de uma piada mesmo com a despensa da casa vazia. Somos capazes de acordar e dar bom dia para a primeira pessoa que encontramos na rua mesmo sem saber se teremos o que comer na hora do jantar. Quando o mundo nos chama de povo hospitaleiro, é a mais pura verdade e é o mínimo da não ignorância que poderíamos ter visto que todo estrangeiro costuma deixar muito dinheiro por todos os lugares que passa, seja em hotéis, restaurantes, bares, taxis e etc. Mas mesmo assim, ainda precisamos conviver com marginais que assaltam nossos visitantes e fazem com que nossas belas praias, mulheres, natureza e cultura sejam menosprezadas e vulgarizadas em decorrência da violência e conseqüente falta de segurança que temos por aqui. Enquanto uns dizem que o Brasil é uma maravilha e que nosso país é muito diferente do estereótipo que tinham criado em suas cabeças, outros retornam aos seus países de origem dizendo que nunca mais querem botar os pés aqui. Que o Brasil de fato é um país de 3º Mundo com seus contrastes sociais muito bem definidos.
Bom, deixando de lado o turista estrangeiro, o que quero realmente dizer essa semana a vocês, caros leitores, é que infelizmente ainda somos muito preconceituosos. Digo isso porque na madrugada anterior a essa que escrevo essa crônica, fomos eu e o gerente de criação da MN11 o Marcelo Meira ao tradicional e histórico bar e restaurante “Estadão” que funciona 24hs no centro da cidade de São Paulo desde 1960 e que na época era freqüentado por jornalistas, publicitários, esportistas, professores, músicos, executivos, office-boys e até políticos. O bar e restaurante Estadão é um ponto turístico e histórico de muita relevância para a cidade assim como o Mercado Municipal, por exemplo. No entanto, o que mais me chama a atenção todas as vezes que vou comer lá na madrugada, é a democratização e diversidade de “espécimes” rsrs humanos que se misturam lá. Nas madrugadas do Estadão, seja para comer um salgado, um prato ou mesmo o tradicional lanche de pernil todas as pessoas convivem harmonicamente. Todos se respeitam. Evidente que cada um que está lá tem a sua tribo, o seu gueto, posições ideológicas e preconceitos distintos. Contudo, naqueles minutos que cada um passa lá no Estadão, seja para comer, para beber ou para papear, observa-se que é possível a convivência com a miscigenação de diferentes povos, raças, etnias e classes sociais, mesmo tendo ciência de que a realidade não é essa.
Como na música “One” do grupo irlandês U2, “We’re one, but we’re not the same” (Nós somos um, mas não somos iguais). De fato somos um povo, um país, um Brasil, mas dotados de nossas individualidades e diferenças pelo fato do ser humano distinto e único que cada um de nós somos.
A realidade, é que de todos os preconceitos e paradigmas que o ser humano inventou para atrasar sua evolução e dificultar sua vida e convívio na sociedade, por incrível que pareça muito preconceito ainda rodeia as pessoas que trabalham na noite/madrugada. Por uma questão cultural que nos acompanha há séculos, a noite, a madrugada, associadas a falta da luz do sol e escuridão sempre estiveram ligadas às atividades obscuras, chamadas marginais que se fazia em lugares onde não se podia enxergar e não estariam às vistas de ninguém como as prostitutas (que particularmente e sinceramente não entendo porque são tão mal vistas), os assassinatos, as atividades ilegais entre outras que vinculadas à mente criativa do homem, sempre ligou aquilo que não se pode ver com os olhos como algo das trevas, como coisas do mal, não provindas de Deus. Moças de boa família não podiam circular nas ruas após o entardecer para não serem confundidas com prostitutas e etc. Além dos inúmeros folclores sobre a noite como, por exemplo, a chamada Dama da Meia Noite que diz a lenda que uma mulher jovem que não sabe que morreu vive andando pelas ruas da cidade. Que a tal mulher anda sempre de vestido vermelho ou branco para encantar homens solitários que bebem em algum bar… e por aí vai.
A verdade é que 99% das pessoas que trabalham na noite o fazem para tornar as nossas “vidinhas” viáveis no amanhecer do dia. Que sem o trabalho delas, o nosso dia tão “iluminado” não seria possível. É preciso que comecemos a quebrar os pequenos preconceitos para se trabalhar os grandes. Não seria inocente aqui a ponto de me iludir com a possibilidade de que eu ou vocês seríamos capazes de nos livrarmos de todos os nossos preconceitos em uma só vida. Mas quero deixar aqui apenas um alerta para esse pequeno estereótipo a respeito dos trabalhadores noturnos que por menor que seja ainda persiste. Entendam que nos dias atuais quando se diz respeito às relações interpessoais, pouco importa se há sol ou não. Temos a tecnologia suficiente para fazer a noite virar dia e o dia virar noite. Que não existem prostitutas apenas de noite e de madrugada. Que não existem assassinatos apenas no escurecer do dia. Que não há tráfico de drogas apenas nas madrugadas. Nos deparamos com tudo isso bem de perto e estampados na nossa cara todos os dias durante as 24hs. Na realidade não é a falta da luz do sol que nos cega, mas nós é que nos fazemos de cegos.
Me limitarei aqui apenas a citar alguns exemplos de alguns trabalhadores noturnos que tornam a nossa vida diária possível: os médicos de plantão, que estão sempre prontos e dispostos a nos atender em caso de emergência, os coletores de lixo, que recolhem toda a sujeira que produzimos durante o dia, para que não precisemos tropeçar nos nossos dejetos ao sairmos de casa, o padeiro, que assa o nosso pãozinho durante a madrugada, para que quando acordemos, tenhamos pão quentinho sobre nossas mesas, o pessoal da companhia de eletricidade, que garante a energia do nosso aquecedor ou ar condicionado, dependendo da região, o porteiro do prédio e o vigia noturno da rua, sempre atentos a qualquer movimento suspeito, o policial assegura que cheguemos a salvo em nossas casas, além de velar nosso sono, impedindo que bandidos nos ataquem e às nossas residências, durante a noite, os trabalhadores de obras viárias, que pavimentam ruas e tampam buracos, para que possamos ir com nossos carros ao trabalho, de manhã cedo, o entregador de jornal, que corre a cidade durante a madrugada, garantindo a notícia impressa, na porta de nossas casas, todos os dias. Enfim, os empregados de mercados, postos de gasolina, lojas, padarias e todos os serviços que funcionam 24 horas, que resolvem desde uma certa fome combinada com insônia, até a necessidade de trocarmos o óleo dos nossos carros.
Curioso que os intelectuais, escritores, publicitários, profissionais das áreas de criação, músicos, compositores e os mais abonados que podem optar por trabalharem a hora que querem não são vistos com preconceito. Os intelectuais podem trabalhar na noite e na madrugada de suas casas porque afinal de contas são artistas. Mas os que realmente deixam suas famílias em casa para trabalharem no período noturno por falta de opção e que de fato exercem papéis essenciais para o nosso cotidiano são pouco valorizados.
Por fim, apenas quero dizer que a verdadeira “escuridão” no sentido errôneo e estereotipado da palavra está dentro de nós mesmos. Sei que vai soar muito piegas dizer isso, mas, precisamos ser como o Sol. Precisamos ter a luz do sol dentro de nós. Não façamos de nossa existência terrena um cometa que simplesmente passa e vai embora. Não sejamos pessoas que apenas passam pela vida de outras em determinado momento e nunca mais são lembradas ou que pouca relevância tiveram, como os cometas. Sejamos como o sol, uma estrela que está lá, que fica, que marca, que aquece, que ilumina e afaga a vida de todos. Será que queremos ser como os cometas que simplesmente passam ou como as estrelas que ficam e marcam nossas vidas?
Um ótimo domingo e um excelente início de semana a todos vocês!!!
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