Que tem gordura; untoso; gordurento; gorduroso; grassento; grasso; graxo; que tem excesso de tecido adiposo desenvolvido. Esse é o significado do adjetivo gordo segundo o dicionário Aurélio.
A palavra gordo apesar de silabicamente curta é algo que soa grande, enorme, já nos vem a imagem de um ser desproporcional diante dos parâmetros considerados normais, não é mesmo? O próprio conceito de gordo apresentada pelo dicionário é algo que nos remete ao pejorativo.
Será que temos essa impressão estigmatizada em razão dos padrões pré-estipulados, massacrados e que foram incutidos em nossas mentes pelos meios de comunicação ou esse é o ponto de vista de mais um gordo que sou?
Penso que não. Acredito que o mundo ainda não está preparado para os gordos, da mesma forma como nosso país ainda não se encontra devidamente equipado para atender deficientes físicos e idosos, quando na verdade nos esquecemos que um dia ficaremos idosos, um dia podemos ter um deficiente físico na família, e de igual modo, podemos engordar. É estatisticamente comprovado que a população mundial está engordando. No entanto, a impressão que tenho é a de que o mundo anda na contramão dos gordos, há uma discriminação generalizada para com os gordos, ninguém quer ouvir falar de gordo, de gorda, da palavra gordo, enfim, há um vírus que contamina a mundo contra os gordos.
Um dia já fui mais gordo do que sou hoje. Já cheguei a pesar 153 kg. E afirmo para vocês que minha vida não era fácil. As limitações que um gordo encontra no seu dia-a-dia são tantas, que muitas vezes eles acabam nem saindo de suas casas com medo de passar por uma situação constrangedora, vexatória e findam por engordar cada vez mais.
Como eu sou um grande cara de pau e tenho minha auto-estima muito bem resolvida, atravessei muitas situações desagradáveis, algumas com bom humor, outras nem tanto.
Vou lhes contar um caso. Quando ainda morava em Florianópolis – SC, era freqüente minha vinda para São Paulo, afinal, namorava uma paulistana e pelo menos a cada 15 dias retornava para minha cidade natal.
Como de costume, nas inúmeras vezes que fui para o aeroporto Hercílio Luz em Florianópolis, apresentava meu documento para a equipe de terra da companhia aérea e seguindo os procedimentos comuns, o atendente checava as informações no sistema. Foi a partir daí que tudo começou:
– Boa noite Sr. Mathias, estou verificando que o Sr. está acomodado na poltrona 7A, mas para o seu conforto recomendaria o assento na saída de emergência que é mais espaçosa e o Sr. vai se sentir melhor.
– Ah!!! Muito obrigado. (respondi, acreditando nas boas intenções do moço, mas daí veio a tacada)
– De forma alguma Sr. Mathias, é um prazer acomodá-lo da melhor forma possível. Geralmente costumamos direcionar esses assentos mais espaçosos para pessoas grandes como o Sr.
Pensei imediatamente: “Esse cara tá me chamando de gordo”.
Bom, mas até aí tudo bem. Não me importei, até porque avaliando bem, de fato ele teve boas intenções em me acomodar confortavelmente e com certeza absoluta eu também estaria melhor.
Sendo assim, deixei passar.
Estava no lucro.
Por outro lado, imediatamente me veio à cabeça: “Será que esse #¨%$&¨%* me colocou na saída de emergência só para eu não esmagar o coitado que iria sentado ao meu lado?”
Não importa.
Já estava embarcando na aeronave e obviamente tive que atravessar aquele minúsculo corredor do avião de lado, porque de frente mal passava uma de minhas pernas, duas então, impossível, ficaria entalado.
Acomodada a bagagem de mão, sentei na minha poltrona de emergência, ou melhor, me encaixei entre aqueles dois braços que separam uma cadeira da outra. Até aí, nada de muito diferente daquela minha rotina quinzenal de gordo. O grande problema mesmo veio instantes depois com o cinto de segurança. Pois é. Naquela época a saída de emergência era mais espaçosa, mas em compensação o cinto de segurança era mais curto. Juro que tentei fechar aquele cinto, parei de respirar, soltei a respiração, segurei a respiração, encolhi a barriga, virei de um lado, do outro, mas não tinha jeito. Ainda faltavam pelo menos uns 5cm para aquele raio de cinto pelo menos encostar uma ponta na outra.
Foi aí que resolvi usar de uma tática. Fingi que estava com o cinto afivelado e peguei a revista da companhia aérea para esconder. Não queria que ninguém visse que o cinto não fechava em mim. Acreditei piamente naquela estratégia, tinha certeza que a comissária de bordo não iria perceber.
Portas da aeronave fechadas e a comissária vinha em minha direção contando os passageiros e verificando se todos estavam com a poltrona na posição vertical e com os cintos afivelados. Fiz de conta que não a via. Coloquei a revista aberta no colo e fiz cara de sério, de quem estava concentrado lendo um artigo. Foi nesse momento que ela falou comigo:
– O Sr. está com o cinto afivelado?
Não respondi, fingindo que não era comigo. Mas ela era insuportavelmente insistente.
– Sr.!!!! Por favor, o Sr. está de cinto?
– Humm…. como? (respondi)
– O cinto Sr.!!! Está afivelado?
– Claro que sim. (respondi olhando para a revista, mas ela não desistiu)
– Sr. Posso ver o cinto?
– O cinto está aqui. Olha ele aqui dos lados. (respondi já um tanto nervoso)
Depois disso a comissária de bordo foi embora. Pensei: Consegui!! Consegui!!! Gritei internamente. Mas aquele ser realmente queria me ver amarrado, confinado, como um boi. Foi nesse momento que ela retornou com mais um pedaço de cinto chamado extensor. Quando vi aquilo fiquei aflito. Não iria colocar aquela emenda de cinto LARANJA para o avião inteiro olhar para mim e pensar… “Putz… que cara gordo… nem o sinto serve nele”.
Mas não teve jeito. A comissária se dirigiu até minha poltrona e gentilmente conversou comigo.
– Sr., peço desculpas, mas sei que o Sr. está sem o cinto. Portanto, para sua segurança, trouxe um extensor para o Sr. colocar.
– Extensor? Laranja? Já que tenho que colocar isso você não tem com uma cor mais discreta?
– Não, Sr. É a única cor que temos.
Aí, não agüentei e questionei:
– Por que só aqui na saída de emergência o cinto é mais curto?
– Não sei Sr. Mas infelizmente ele de fato é mais curto.
Bom, nesse caso pensei: “O problema então não é o meu tecido adiposo avantajado, mas o cinto da saída de emergência”. Assim sendo, perguntei:
– Por um acaso não posso me acomodar em outra poltrona? Já que aqui o cinto é mais curto, se eu estiver em outro lugar pelo menos não precisarei usar esse pedaço de cinto laranja.
– Infelizmente não Sr., a aeronave está lotada e ainda por cima já estamos decolando, não haveria tempo para o Sr. trocar de assento.
Em resumo. Tive que colocar o tal do extensor laranja. No tamanho mínimo é claro. Mas fui obrigado a usar.
Achei aquilo o fim da picada. Puxa vida não tenho o direito nem de ser gordo mais? Preciso usar uma “placa” laranja escrita: “GORDO, GORDO, GORDO”.
Estava revoltado com aquela situação humilhante e discriminatória. Nesse momento recebi um cutucão de um passageiro que estava sentado na mesma fileira que eu, mas do outro lado do corredor do avião. Quando olhei para o lado, já nervoso, por estar sendo incomodado uma vez mais, vi que era um dos meus pares. Mais um Paquiderme (gênero utilizado para classificar os animais de pele espessa, mamíferos de grande porte, pele grossa, tal como o elefante, o rinoceronte e o hipopótamo). Só que era um Gordo muito Gordo, muito mais Gordo do que eu. Ao lado dele me senti como um filhote de mamute. Observei que ele também usava o extensor laranja assim como eu, contudo, na abertura máxima. O cara realmente era enorme.
Foi nessa hora que de um modo muito amistoso e simpático ele soltou um sorriso solidário a mim e fez um sinal de jóia, apontou para o extensor laranja e disse:
– Não liga não. Isso aqui é muito legal. Só a gente tem.
mathias@mn11.com.br
HTTP://www.twitter.com/grupomn11
http://www.mn11.com.br
http://www.twitter.com/mathiasnaganuma
Twitter Pessoal: @MathiasNaganuma