Fazia muitos meses que queria falar algo sobre perfumes. Mas o tema ficou ali, no meu caderno, manuscrito, em meio a tantos outros rabiscos. Sempre olhava para o meu caderninho de anotações, onde guardo algumas idéias, momentos, acontecimentos que acredito serem úteis no futuro para alguma crônica, no entanto, ao mesmo tempo em que vários tópicos e palavras soltas estão por lá, muitas vezes não consigo imaginar o que poderia ser desenvolvido baseado naquilo tudo. Como sempre disse, escrevo porque gosto. Escolhi a crônica para compartilhar com vocês um pouco da minha vida, do que penso, do meu cotidiano e etc. Não sou um contador de histórias. Até agora não me senti devidamente preparado nem capacitado para inventar histórias e personagens. Tanto é, que invejo muito os novelistas. Sempre me indago, como é que eles conseguem criar várias historinhas diferentes que acontecem paralelamente e que no final todas acabam convergindo de certa maneira a um ponto comum? Admito que não tenho muito talento para criar histórias e personagens extraídas de uma viagem da minha cabeça. Consigo criar personagens baseado em pessoas reais, que conheço, que convivo. Por essa razão, às vezes olho para um tema interessante que gostaria de tratar, mas não consigo materializá-lo em mais de alguns parágrafos.
Enfim, o tema perfume, cheiros, odores, olfato, estava lá. Mas nunca soube o que dizer a respeito num conteúdo que ultrapassasse um parágrafo. De certa forma estava bloqueado na fixa idéia de pessoas que nos marcam e nos fazem voltar ao tempo por seu perfume, pelo cheiro da pele e etc. Nada mais do que isso. Entretanto, num momento de saudosismo e resgate interior de recordações e momentos antigos que foram tão marcantes, alguns felizes e outros nem tanto, atentei-me ao fato de que tudo tinha seu cheiro. E, até hoje, querendo ou não, quando sinto determinado cheiro, posso ser lançado a uma enxurrada de lembranças boas, como traumáticas. Em razão disso, caros leitores, que escrevo mais amplamente sobre a influência e importância do olfato em nossas vidas. Os odores que sentimos pela vida são muito maiores que uma simples lembrança do perfume ou do cheiro do corpo de uma pessoa que amamos um dia. O cheiro ultrapassa nosso extinto animal de atração sexual, como os animais machos que sabem quando a fêmea está no cio pelo cheiro a até 2 km de distância.
Se pensarmos bem, cheiro é vida. Cheiro é memória. Cheiro é lembrança. Novos odores provam que vivemos novas experiências todos os dias. Antigos odores, demonstram que tivemos igualmente momentos de vida. Os anos passam rápido, mas não tão despercebidos como imaginamos. Façam essa viajem comigo, lembrem-se da época do colégio, do cheiro do seu colégio, da sala de aula, do cheiro que vinha da cantina da escola quando o intervalo se aproximava. Do cheiro de quando chegávamos em casa após a aula, loucos de fome e sentíamos o cheiro daquele alho fritando na frigideira da cozinha de sua casa. Do cheiro do bife acebolado, do feijão feito na hora. Do cheiro de uma biblioteca. Do cheiro das férias na fazenda, daquele aroma que era exalado pela grama e pela terra após uma chuva. Do cheiro do estábulo. Do cheiro do café que era feito no coador de pano. O cheiro de uma mexerica que abríamos com a mão tiradas diretamente do pé. O cheiro do chiqueiro. O cheiro da estrada. O cheiro do mato queimado, O cheiro da cana de açúcar sendo processada. Ou se sairmos do campo, da vida interiorana, falemos então do cheiro do mar.
Evidente que também existem cheiros que não nos remetem a coisas muito agradáveis, como o cheiro de uma sala de cirurgia, cheiro de hospitais, aquele cheiro de muitas flores em salas de velório. O cheiro de peixaria. O cheiro de banheiros públicos. O cheiro da casa de pessoas que tem filhos bebês, uma mistura de leite azedo, coco, talco e hiploglos.
Agora me recordando de tantos momentos que vivi e associando-os aos seus odores, creio que poderia passar páginas e mais páginas citando exemplos. Como não posso deixar de falar também dos cheiros que nos dão prazer por sua riqueza, requinte e nobreza como a mistura do cheiro do seu carro novo, uma mistura de um couro nobre, com outros materiais luxuosos, e uma pitada de madeira especialmente escolhida para decorar o interior do carro. O cheiro de um bom charuto cubano. O cheiro de um bom vinho, de um bom whisky 21 anos, de um café nespresso, do couro da sua maleta de trabalho, o cheiro de um bom queijo. O cheiro de uma nota nova de $100,00 (risos).
Sem contar nos cheiros típicos de determinados ambientes que mesmo de olhos vendados sabemos onde estamos, como em determinados restaurantes, lojas, como por exemplo Na Bloomingdale’s em Nova York, na não mais existente loja da Daslu em São Paulo, na loja de jogos de cama Trousseau, na loja feminina de lingerie e moda íntima Any Any, ou os marcantes aromas da marca Victoria Secret’s. Isso sem falar das comidas. É possível até que não saibamos qual o nome do estabelecimento, mas apenas pelo cheiro conseguimos dizer se estamos em uma churrascaria, ou em um fast food, ou em uma pizzaria, ou em um restaurante japonês.
Para se ter uma idéia da importância do olfato em nossas vidas, encontrei na Internet uma reportagem da Revista Super Interessante de janeiro de 1988 cujo nome do artigo é “Olfato: O sentido da vida”, onde em uma passagem do artigo, eles relatam que “A perda de olfato, além de estar associada à depressão, pode levar à desnutrição. É lógico. O nariz é o grande responsável pelo apetite: qualquer pessoa, sem perceber, cheira melhor quanto mais perto da hora de comer, o que faz com que sinta o aroma da comida de longe. Quando isso acontece, o cérebro manda o estômago produzir sucos gástricos. As glândulas salivares, então, entram em ação: fica-se literalmente com água na boca”.
Portanto, os cheiros e odores que sentimos através de nosso olfato representam muito mais do que imaginamos, o cheiro representa amor, apetite, lembranças e principalmente sentimentos.
Gostaria de terminar minha crônica dessa semana citando um trecho do poema de Carlos Drummond de Andrade cujo título é “Poema Almas Perfumadas”
Tem gente que tem cheiro
de passarinho quando canta,
de sol quando acorda,
de flor quando ri.
Ao lado delas,
a gente se sente no balanço de uma rede
que dança gostoso numa tarde grande,
sem relógio e sem agenda.
(…)
Tem gente que tem cheiro
de cafuné sem pressa,
do brinquedo que a gente não largava,
do acalanto que o silêncio canta,
de passeio no jardim.
Ao lado delas,
a gente percebe que a sensualidade
é um perfume que vem de dentro
e que a atração que realmente nos move
não passa só pelo corpo.
Corre em outras veias.
Pulsa em outro lugar.
Ao lado delas,
a gente lembra que no instante em que rimos
Deus está conosco, juntinho, ao nosso lado.
E a gente ri grande que nem menino arteiro.
Tem gente como você,
que nem percebe como tem a alma perfumada
e que esse perfume é dom de Deus.
Um ótimo domingo e um excelente início de semana a todos vocês!!!
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